Apontamentos para a
história de Viseu

Testemunho

António João Cruz

Acabado de imprimir e de encadernar, o cheiro à tinta que ainda não secou completamente, tenho-o nas mãos. Ouro sobre verde, acabamento descuidado, duas fitas bem portuguesas para marcar as quatrocentas páginas. Alusões a outro tempo. Nostalgia.

Ao fim de alguns anos posso ter em casa esse volume precioso, esse hino de amor. Sempre à mão e sempre guardado como tesouro. Quando percorrer os caminhos que se cruzam no solo da Beira posso levá-lo como amigo. Pedir-lhe-ei a opinião. Ele será um guia incansável, sempre solícito. Falar-me-á tantas vezes quantas as que eu o quiser ouvir. Sabedor, apontar-me-á o que merece um olhar demorado, seja um monumento de pedra como as catedrais, seja, tão-só, as árvores que se vem da estrada.

Agora já não vou à Casa Amarela para estar um pouco na sua companhia. No entanto, tal como antes, abro-o com temor e cuidado, passo as páginas pelos dedos, várias vezes, admiro as fotografias, quase todas mal impressas. Só depois feio ao acaso, calmamente.

Traz-me à memória outras fotografias, as do Coração de Portugal, de A. Campos, um dos livros que, andava eu no Ciclo, me conquistou para a história de Viseu. Essas imagens onde não há tempo, ponho-as lado a lado. Confronto-as. Lembram-me outras.

Muita coisa mudou mas pouco foi o que mudou.

Hoje Almeida Moreira já é mais do que o nome de um museu, Amorim Girão, Aarão de Lacerda, Samuel Maia, Valentim da Silva, Raul Proença e Jaime Cortesão são homens que conheço um pouquinho melhor. Mas leio pela primeira vez a introdução geográfica sobre a Beira Alta, de Orlando Ribeiro, e leio-a como quem lê um poema. Em 7 de Fevereiro de 1985 ou há sete anos, quando descobri esse livro, o encanto é o mesmo.

Este o presente que a Fundação Gulbenkian me deu. Vem identificado numa das primeiras páginas: Guia de Portugal/ 2.ª edição/ 3.º volume/ Beira /II. Beira Baixa e Beira Alta. Queria-o só para mim. Mas há outros 11.999 volumes como este.

 

Referência bibliográfica:

António João Cruz, «Testemunho», A Voz das Beiras, 533, 21-2-1985, p. 8.

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