Apontamentos para a
história de Viseu

Caminhos do futuro: a história, ofício colectivo

António João Cruz

A história de Viseu desde o mais antigo momento sempre foi escrita por artífices-eremitas. Manuel Botelho Ribeiro Pereira, Fr. Leonardo de Sousa, José de Oliveira Berardo e Maximiano de Aragão, só para referir os nomes de maior peso, sempre trabalharam sós, sempre ou quase sem apoios de nenhum género. Viveram em tempos em que o labor historiográfico em Viseu ou noutro qualquer sítio era apenas o labor de um só homem. Porem, isso não justifica completamente esse facto: no nosso século. Jose Coelho ou Alexandre de Lucena e Vale nunca formaram equipas de trabalho. No entanto, o primeiro para isso tinha a posição privilegiada de professor do liceu, local onde poderia ter reunido alunos mais interessados ou outros professores com preocupações históricas.

Hoje ainda há obstáculos mentais que se opõem ao trabalho colectivo. Se não são os mesmos, pelo menos, são muito semelhantes aos que nesses séculos existiram porque os seus efeitos são os mesmos. Por isso, hoje, em Viseu, fazer história é ainda trabalho de um homem só, de um artífice-eremita.

Esta situação em parte é consequência de não haver em Viseu uma instituição voltada para a investigação histórica pois o trabalho colectivo, o verdadeiro trabalho colectivo, a investigação feita em conjunto, conduzida em várias frentes, um trabalho com continuidade, dificilmente se poderá realizar sem uma estrutura material e económica que o suporte.

Há em Viseu vários organismos que lidam com a cultura, pelo menos, pelo que dizem. No entanto, nenhum está vocacionado para essa investigação. O Museu de História da Cidade, se algum dia sair dos papéis que o criaram e se algum dia for na verdade um museu, deve albergar em si um desses centros de trabalho, um grupo constituído por investigadores com diferentes formações, sensibilizados para problemáticas várias, discutindo entre si objectivos e métodos.

«O trabalho já não será, tão profundamente, a coisa de um homem e a sua manifestação. Mas recuperará em eficácia o que há-de perder em personalidade. Os tempos do artesanato, quer se queira, quer não, descem lentamente abaixo do nosso horizonte. E como tantos outros, o pequeno artesão cientifico que todos nós somos, que nós amamos até nas suas taras e nas suas manias, o pequeno artesão que faz por si mesmo todas as coisas e cria ele próprio a sua utensilagem, o seu campo de experiência, os seus programas de investigação — vai juntar-se no passado a tantas belezas mortas. Mas uma outra beleza se desenha sobre a terra» (Lucien Fébvre, «De 1892 a 1933. Exame de consciência de uma história e de um historiador», in Combates pela História, Lisboa, Presença, 1977, vd. I, pp. 32-33).

Quantos os problemas que há ainda por abordar na história viseense, quantos os problemas que o trabalho colectivo permitirá abordar, terminando-se mais cedo a investigação, conduzindo-a com mais profundidade e em mais direcções! São ainda inúmeras essas zonas em branco, da história à etnografia, da sociologia à geografia, da economia às mentalidades.

Um dia, o autor da monografia local, um homem ardendo em amor pela sua terra, tudo desconhecendo sobre os novos caminhos da historia e da etnografia, embora, por vezes, seja um rato de biblioteca, dará lugar a grupos com vocação pluridisciplinar, permanentemente actualizados com o que de mais novo se faz, que tentarão buscar as raízes dos nossos problemas, aqueles que quotidianamente se colocam à sociedade viseense. Andarão no tempo como quem sobe ou desce um rio. Compreender o presente pelo passado e o passado pelo presente será um objectivo. A este um outro não menos importante se juntara: traçar linhas de rumo para o futuro.

 

Referência bibliográfica:

António João Cruz, «Caminhos do futuro: a história, ofício colectivo», A Voz das Beiras, 530, 31-1-1985, pp. 5, 8.

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