Apontamentos para a
história de Viseu

Os manuscritos da historiografia visiense.
Subsídios para um inventário

António João Cruz

Apesar da importância que tiveram no seu tempo, grande número de textos da historiografia visiense permanecem ainda hoje inéditos ou só muito tarde vieram a ser publicados.

Nestas ultimas circunstâncias, o primeiro caso e simultaneamente a primeira grande produção da historiografia visiense: os Diálogos Morais e Políticos de Manuel Botelho Ribeiro Pereira. Escritos entre 1630 e 1636, só em 1955, mais de três séculos depois, foram publicados. No entanto, outra fora a vontade do seu autor: "buscando eu todos os meios humanos para sair a luz com este meu trabalho e a quem o dedicasse tão digno que o certo me ficasse por prémio, achei sempre enganado o pensamento e frustrada a esperança, saindo-me a sorte tão contrária do que imaginara" (p. 1).

Mais de um século depois surge-nos o que cronologicamente é a segunda produção da historiografia visiense: as Memórias Históricas e Cronológicas dos Bispos de Viseu, do P.e Leonardo de Sousa, três grossos volumes de 1767. Em 1903 foi iniciada a sua publicação em fascículos que eram distribuídos com uma revista visiense de carácter religioso, o Mensageiro Popular. No entanto, saíram apenas as primeiras 32 páginas (Fortunato de Almeida, Histórica da Igreja em Portugal, ed. de Damião Peres, vol. I, Porto, 1967. p. 68, n. 5). Por isso, ainda hoje essas memórias se encontram inéditas na Biblioteca Municipal de Viseu (cota 20-I-4 a 6).

Ainda do séc. XVIII existem outros textos provavelmente importantes. No entanto, deles pouco mais sabemos do que o que nos dizem algumas referências que não nos satisfazem. Tais são o caso de Olimpo Místico, de Agostinho Nunes de Sousa, iniciado talvez em 1741, de que existe uma cópia feita por José Coelho (cf. Alexandre Alves, «Pequena Historia do Santuário e Convento do Senhor Santo Cristo da Fraga», in Beira Alta, XXXIV, 2, 1975, pp. 145-160) e o caso do Jardim Seráfico de Venerável Ordem Terceira do Padre S. Francisco e seus Aumentos nesta Cidade de Viseu, de 1775, de Fr. Diogo de Jesus Maria de que se guarda um manuscrito no Cartório da Ordem Terceira de S. Francisco (cf. Beira Alta, XXXII, 2-3, 1973 p. 285).

No séc. XIX surgem-nos como principais inéditos os de José de Oliveira Bernardo. O mais conhecido é, provavelmente, o das Notícias de Viseu, datado de 1838, que está na Biblioteca Municipal de Viseu (cota 21-I-8). A Notícia Histórica dos Bispos de Viseu, de 1837, esteve exposta na exposição bibliográfica e iconográfica comemorativa do IX centenário do nascimento do S. Teotónio realizada na Feira de S. Mateus de 1982 (n.º 6 do catálogo publicado na Beira Alta, XLI, 4, 1982, p. 815). Do Ecclesiae Visonensis Epitome ad Auditorii Seminarii Episcopalis Ejusdem Ecclesiae, de 1855, existe uma cópia no Seminário Diocesano de Viseu que pertenceu a M. Aragão. Porem, onde está a Miscelânea que na década de 20 se encontrava na posse de M. Aragão (A. Campos, Registo Bibliográfico e Jornalístico Visiense) ou os 13 cadernos de apontamentos que nessa ocasião pertenciam ao dr. Celestino Henriques Correia Severino (A. Campos, op. cit.) e que este veio a doar a Câmara Municipal de Oliveira de Frades (José Júlio César, «Oliveira Berardo», in Beira Alta, VIII, 3, 1949, p. 330?

A importância de Berardo, pelo menos a que lha atribuíram os seus contemporâneos, tende a fazer esquecer outros textos do séc. XIX. Mas eles existem, como é o caso do Catálogo dos Bispos de Viseu, datados de 1819 e da autoria de C. M. Oliveira, manuscrito desconhecido que pertenceu a José Coelho (cf. J. Coelho, Memórias de Viseu, Viseu, 1941, p. 446) e das Memórias em Respeito a Cidade de Viseu, de 1876, anónimas mas que se tem atribuído a Francisco Manuel Correia, nem inéditas nem completamente publicadas. Em 1973 foram delas publicadas pequenos extractos e alguns resumos por Alexandre de Lucena e Vale na Beira Alta. No entanto, é um texto que merecia ser integralmente divulgado. O manuscrito encontra-se no Paço Episcopal e existe uma cópia que pertenceu a J. Coelho (cf. A. de Lucena e Vale, «O manuscrito sobre Viseu de Francisco Manuel Correia», in Beira Alta, XXXII, 1, 1973, p. 3 e ss. e J. Coelho. op. cit.. p. 447).

Os principais trabalhos inéditos que encontramos no séc. XX são os de A. Campos e os de José Coelho.

O Registo Bibliográfico e Jornalístico Visiense, de A. Campos, foi pelo autor doado em 1923 à Biblioteca Municipal de Viseu (cota 20-1-28: o índice deste manuscrito tem a cota 20-1-29). A 1.ª parte é constituída por um inventário da imprensa periódica do concelho de Viseu. A 2.ª é um longo inventário de escritores visienses e suas obras e que Maximiano de Aragão seguiu de muito perto no seu Viseu. Letras e Letrados Viseenses (Lisboa, 1934).

Os Cadernos de Notas Arqueológicas, de José Coelho, são pequenos blocos de apontamentos, de inicio em número de 153 e de que hoje existem 138 somente, sobre os mais variados assuntos da historia visiense e não apenas sobre a arqueologia como o título sugere (cf. António João de Carvalho da Cruz, «Os Cadernos de Notas Arqueológicas do dr. José Coelho e a sua colecção arqueológica», in Beira Alta, XL, 1, 1981, pp. 157-165). Foram doados em 1979 à Câmara Municipal de Viseu para ingressarem no Museu de Historia da Cidade, então em «organização», assim como hoje, cinco anos decorridos. Outros inéditos seus com interesse para a história de Viseu são (segundo a enumeração de Alexandre Alves em «O dr. José Coelho. O homem e a obra (Achegas)», in Beira Alta, XXXVIII, 3, 1979, pp. 505-506) os Miliários de Viseu, de 1934, os Monumentos de Arqueologia e História Militar do Concelho de Viseu, de 1934, a História da Misericórdia de Viseu e a História do Museu Etnológico da Beira. Contudo, os Monumentos de Arqueologia não estão completamente inéditos dado que começaram a ser publicados no Distrito de Viseu (n.ºs 439-442, 10 a 31-3-1938).

A esta enumeração outros manuscritos se poderiam acrescentar. Porém, mesmo assim, provavelmente não ficaria completa. Só os manuscritos de índole genealógica formariam certamente uma lista maior que esta (por isso e pelo facto de quase ou mesmo todos se encontrarem em mãos particulares, o que levanta enormes dificuldades ao seu inventário, foram deixados de fora deste roteiro). Além disso, alguns se perderam como é o caso do catálogo dos bispos de Viseu elaborado por Francisco de Abreu por ordem do bispo D. João Manuel e que é anterior ao que é tido por primeiro texto da historiografia visiense (cf. as referências feitas por Botelho Pereira, op. cit., p. 341 e ss.).

Por isso, estes são apenas alguns dos textos inéditos da historiografia visiense que convinha editar. Por quem? Pelas entidades locais com responsabilidades culturais. Porém, é necessário que não aconteça o mesmo que as Noticias de Viseu, de Oliveira Berardo: a 9 de Março de 1839 foi deliberado em sessão camarária "que se peça ao Conselho do Distrito autorização" "para mandar imprimir um opúsculo contendo as antiguidades e estatística deste concelho, oferecido à mesma Municipalidade pelo ex-Administrador José de Oliveira Berardo" (Actas da Câmara Municipal de Viseu, livro IX, fs. 186). No entanto, ainda hoje, século e meio depois, esse texto se encontra inédito.

 

Referência bibliográfica:

António João Cruz, «Os manuscritos da historiografia visiense. Subsídios para um inventário», A Voz das Beiras, 518, 1-11-1984, pp. 7, 10.

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