Os jornais e a historiografia
viseense
António João Cruz
"Creio que um dos objectivos básicos de
qualquer escritor é alcançar a maior difusão
possível para as suas obras. Por muito que o autor destas
páginas tenha publicado, quem sabe se em demasia, teve
até agora escassas possibilidades de dirigir-se a um
público maioritário, bastante afastado dos
núcleos universitários e dos especialistas em
determinados temas históricos. Daí que confesse a minha
satisfação por ter sido incluído numa
colecção popular e de grande tiragem".
(Juan Reglá, História de
Cataluña, Madrid, Alianza Editorial, 3.ª ed., 1978,
p. 17)
Queixam-se os historiadores (cf. as afirmações de Jacques Le Goff
e de Emmanuel Le Roy Ladurie, entre outros, feitas no debate
publicado em A Nova História, Lisboa,
Edições 70, 1978, pp. 21-22 e ss.) de que não
existe um contacto entre as investigações que fazem e o
público não especializado pois os seus trabalhos
são divulgados normalmente em revistas e em outras
publicações desinteressantes e não
acessíveis aos não iniciados.
Em
Portugal existe uma revista com elevada tiragem — a mensal História — mas que não assegura esse
contacto próximo entre a investigação que se faz
hoje e o público não especializado embora, é
certo, se aproxime muito mais desse nível do que as revistas
eruditas que de modo algum o pretendem tocar.
No entanto, há mais de meio século, José
Coelho, incansável pesquisador do passado viseense, deu um
exemplo da forma como, ao nível da história local, esse
contacto pode ser estabelecido. Esse exemplo foi o da
colaboração nos jamais regionais. Infelizmente, esses
artigos não foram ainda inventariados na sua totalidade e, por
isso, o seu número não está ainda apurado.
Porém, o trabalho que já foi desenvolvido nesse sentido
dá-nos a certeza de que são muitas dezenas
Provavelmente algumas centenas.
Destes,
alguns foram reunidos em volume pelo próprio autor. Algumas
das pequenas brochuras publicadas por J. Coelho na realidade mais
não são do que separatas ou colectâneas desses
artigos. Inclusivamente, o seu volume de maior tomo, as Memórias de Viseu, são, em parte, separata de
alguns artigos publicados durante dois anos no Distrito de
Viseu.
No entanto, grande número dos artigos publicados por
José Coelho na imprensa regional, talvez a maior parte, ficaram
até hoje esquecidos nas páginas desses jornais.
Reuni-los em volume seria trabalho moroso. Mas, sem dúvida,
seria um importante contributo prestado à historiografia
viseense.
Hoje, alguns desses artigos não têm outro interesse
que não seja para o estudo das ideias do seu autor. Os outros,
os que ainda hoje nos podem interessar doutro modo, têm-no como
fonte urna vez que J. Coelho manuseou uma quantidade
incalculável de manuscritos e outros testemunhas de passadas
eras, como os testemunhos arqueológicos. Porém,
terão interesse apenas como fonte dado que do ponto de vista
metodológico hoje se encontram mais ultrapassados, ainda que
no seu tempo possam ter aberto algumas perspectivas novas e vastas
para o conhecimento do passado viseense (cf. o meu artigo "Cultura
e sociedade: a historiografia viseense", in História,
63, Lisboa, Janeiro de 1984). Mas a história é
assim, filha de um tempo e de um lugar.
Independentemente do valor que esses artigos tenham hoje para
nós, eles constituíram, sem dúvida, um modo de
comunicar a um público não especializado as
investigações que então se faziam. Foi um modo
de quase semanalmente se mostrar como se fazia uma história,
de mostrar os seus instrumentos e as suas regras, de quase dar a
qualquer um a possibilidade de fazer uma história porque esses
artigos, todos eles ou quase com o aspecto de incompletos (a pesquisa
não estava ainda concluída), mostravam por dentro o
labor artesanal de um artífice da historiografia viseense.
Esta prática não foi de José Coelho apenas.
Foi sobretudo dele mas foi também de Oliveira Berardo, de
Maximiano de Aragão e de Amorim Girão — para
mencionar apenas os mais importantes e os mais conhecidos. Do
primeiro, "um dos primeiros homens de letras de Portugal" na
opinião de Alexandre Herculano (Cartas, t. I, Lisboa,
Aillaud, Alves, Bastos e C.ª, s.d., p. 162), fora uma
comunicação publicada nas Memórias da
Academia Real das Ciências de Lisboa e duas outras insertas
em livro alheio, toda a numerosa produção sobre a
história de Viseu ou se encontra inédita (talvez a
maior parte) ou publicada nos jornais de Viseu (77 artigos em O
Liberal de 1857 a 1859).
Hoje
essa prática não tem a vitalidade nem a
importância que teve em alguns momentos, sobretudo na
década de 20. Mas ela poderá ser um modo de se
estabelecer uma ligação entre os que sondam o passado
viseense nas suas múltiplas direcções e os
simples curiosos do passado de uma cidade onde nasceram ou onde vivem
apenas. É certo que, pelas suas características, essa
ligação será fruste. Porém, a
ligação seguinte essa, desde 1942, está
já estabelecida através de uma revista, a Beira
Alta, propriedade da Assembleia Distrital de Viseu. Talvez assim
se possa estabelecer uma comunicação forte entre os
homens e o seu passado.
Referência bibliográfica:
António João Cruz, «Os
jornais e a historiografia visiense», A Voz das
Beiras, 517, 25-10-1984, pp. 3, 8.
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