Apontamentos para a
história de Viseu

A situação da Biblioteca Municipal de Viseu

António João Cruz

Fundada em 1864, a Biblioteca Municipal de Viseu é uma das instituições culturais visienses que hoje poderia dar importante contributo para o desenvolvimento dos estudos históricos sobre Viseu.

Os mais de dez mil volumes doados à cidade por António Nunes de Carvalho com que ela foi fundada, as espécies provenientes da biblioteca do Seminário e de alguns conventos da região que nela deram ingresso e as doações de Joaquim Cabral Cavaleiro, António da Gama Bandeira Castelo Branco, Luís de Figueiredo Mota, Mário de Melo Leitão Costa, Faro e Noronha e Ribas de Sousa permitiram formar um núcleo antigo relativamente rico, ao contrário do que sucede com o núcleo de bibliografia recente e actualizada que é muitíssimo pobre. Este facto mais reforça a ideia de que a Biblioteca Municipal de Viseu deveria ser um local privilegiado para se proceder à investigação da história local, uma vez que ai se podem encontrar algumas fontes de difícil acesso noutros locais ou mesmo fontes que só aí se podem consultar como são os manuscritos que possui.

Essa vocação para a história local que a Biblioteca Municipal de Viseu deveria ter, além dos apoios mais difíceis que a historiografia visiense poderia dar com a realização de algumas exposições devidamente organizadas ou a dinamização de grupos de trabalho voltados para a exploração das fontes manuscritas, poderia manifestar-se, por exemplo, na existência de um bom catálogo do fundo manuscrito, ainda que dactilografado apenas, ou no não levantar de obstáculos à consulta desse núcleo. No entanto, esses apoios não existem, ainda que para isso se não possam invocar os problemas monetários a que é hábito atribuírem-se as deficiências no funcionamento das instituições culturais. Como se isso não fosse suficiente, outros problemas frequentemente surgem como a inexistência de qualquer catálogo geral da biblioteca, os ficheiros mal fatos e mal organizados e a impossibilidade de se tirarem fotocópias na Biblioteca.

Catálogo geral não existe na Biblioteca Municipal de Viseu. Em 1866 publicou-se um que poderia, pelo menos, ajudar na procura de obras anteriores. No entanto, inacreditavelmente, não consta que dele haja algum exemplar na Biblioteca!?...

Há uma lista dactilografada mas de pouca utilidade para quem não conhece já os manuscritos. Pois, como saber, por exemplo, o que se encontra nos dois maços dos Manuscritos vários do concelho de Povolide?

Em vez de catálogo há, numa das salas de leitura, um ficheiro de autores e outro de títulos. Porém, além de desorganizados, muitas fichas para nada servem pois cortam os títulos pelo meio. Quem é que adivinhará de que biblioteca é o Catálogo da Biblioteca Municipal de...?

Há também, pelo menos, um outro ficheiro — o de jornais — mas que não se encontra em nenhuma das duas salas públicas. As indicações que constam dessas fichas sobre se determinada colecção está ou não completa são de escasso valor pois a de um jornal de que existam na Biblioteca todos os números e de que tenha iniciado a publicação em 5 de Julho de 1923 e terminado com o número de 6 de Agosto de 1931 pode trazer a indicação de que os anos de 1923 e de 1931 estão incompletos (porque a publicação não se iniciou a 1 de Janeiro de 1923 e não se terminou a 31 de Dezembro de 1931?).

O acesso aos manuscritos por vezes é difícil e às vezes impossível. Pode-se requisitar o maço dos Manuscritos vários sobre contas. Assuntos de Viseu e ouvir-se que "não lho posso dar porque não sei o que lá há pois ainda há uns tempos um senhor requisitou-o e aquilo ficou tudo fora de ordem. São estas as ordens do director para não haver mais problemas destes. Se insiste em o requisitar tem que esperar que ele venha de férias pois só ele lho pode emprestar"... Ou pode-se requisitar um outro manuscrito e ouvir-se que "não vale a pena porque não consegue ler aquela letra".

Não há fotocopiadora na biblioteca. Por isso, para se fotocopiar qualquer coisa é necessário sair-se acompanhado por uma funcionária ou, quando se pode, deixar-se o bilhete de identidade como garantia.

Estes são alguns aspectos da situação presente da Biblioteca Municipal de Viseu. Simultaneamente, de alguns problemas que importa urgentemente resolver, de alguns problemas que facilmente se podem resolver. Mas por quanto tempo se manterá esta situação?

 

Referência bibliográfica:

António João Cruz, «A situação da Biblioteca Municipal de Viseu», A Voz das Beiras, 464, 15-9-1983, pp. 4, 8.

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