Apontamentos para a
história de Viseu

Os braços que se vão

António João Cruz

Meados da década de 60, o mesmo é dizer quando a emigração portuguesa atingiu os seus mais elevados quantitativos. Do distrito de Viseu, uma das regiões de maior incidência emigratória, por ano são uns 5 milhares os braços que saem para o estrangeiro. Fenómeno de profundas consequências no desenvolvimento regional, esse o da emigração. Mas que se sabe dele?

Entre 1891 e 1960 a percentagem de emigrantes visienses relativamente ao excedente de vidas toma um valor compreendido entre 60 e 70 %. Que crescimento podia assim ocorrer? Ou doutro modo abordando o problema: que condições de vida as que isso provocaram?! Porque o seu responsável outro não é que não o desequilíbrio da relação recursos-demografia: uma população que utiliza exaustivamente os recursos que uma tecnologia põe à sua disposição, ante um pequeno surto demográfico, que muitas causas pode ter, que outra solução tem que não a de uns tantos dos seus elementos irem para outras regiões onde esse ponto de ruptura não foi ainda alcançado?

Isto levanta uma suspeita sobre a historiografia visiense: tantos séculos esses historiógrafos a descreverem as abundâncias de Viseu, quase paraíso celestial, tal a prodigalidade da natureza, e os seus habitantes a irem-se para outras paragens... Pois: porque o problema não é de hoje nem de ontem. Mas de quando, pelo menos nas proporções alarmantes que ainda há pouco tomou?

Problema de facto importante para se compreender toda uma evolução dos últimos séculos. Por exemplo: nos finais do séc. XVII — princípios do seguinte a cidade de Viseu tem uns 900 fogos; em 1838 apenas uns 1050. Para um período maior que o século um crescimento de 17 % é algo de modestíssimo, mesmo com a margem que é necessário conceder às fontes utilizadas, mesmo tendo em atenção um eventual retrocesso demográfico ocorrido por ocasião das invasões francesas. Ora, não será o fluxo migratório uma das causas dessa «crise» setecentista? Hipótese como outra e que, portanto, é necessário sujeitar às provas documentais. Mas onde estão elas?

As já conhecidas muito frustres são ainda.

Primeira: em advertência, onde alguns motivos ocultos certamente estarão presentes, dizia o cronista visiense (1636), em frase que aos seus intuitos panegíricos escapou, que, não atendessem os reis aos seus vassalos, «mui cedo a Província da Beira será despovoada de todo»... Aviso apenas mas que não devemos subestimar por isso.

Em todo o século XVIII um longo silêncio, quem sabe se cúmplice. Mas depois... Bom...

Segunda prova: 1838: 32 freguesias então todas elas do concelho de Viseu: 35 milhares de habitantes que não têm mais de 60 anos. No que ao sexo e idade diz respeito, repartem-se assim:

Idade Homens Mulheres
n.° % n.° %
0-7 3.137 50,6 3.062 49,4
7-15 2.786 52,5 2.524 47,5
15-25 2.922 44,5 3.638 55,5
25-60 7.162 43,0 9.504 57,0
Total 16.007 46,1 18.728 53,9

Deixando de parte outros problemas que este quadro nos levanta, deixando de parte uma certa fragilidade de que ele se ressente, que outra coisa nos pode testemunhar essa notável taxa de feminilidade da população maior de 15 anos que não uma forte corrente emigratória masculina?

Terceira: mas não é essa fonte apenas que nesse sentido nos aponta: um numeramento realizado em 1801 dá como habitantes do bispado 74.500 homens (47,6 %) e 81.900 mulheres (52,4 %). Será necessário dizer mais alguma coisa sobre estes dados?

Ora, isto logo ao abrir o séc. XIX... Que terá ocorrido então no de setecentos?

 

Referência bibliográfica:

António João Cruz, «Os braços que se vão», A Voz das Beiras, 413, 26-8-1982, pp. 2, 8

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