Apontamentos para a
história de Viseu

Quando os caminhos todos iam dar a Roma

António João Cruz

Diz-se frequentemente que Viseu nasceu de um cruzamento de estradas romanas. Autores há que falam em cerca de uma dúzia. Mas para local de que se desconhece o nome, onde poucas inscrições romanas foram encontradas — a maior parte das quais são lápides funerárias— não serão estradas a mais? Certo é que em Viseu se construiu a Cava de Viriato, aquela enorme fortificação romana — ainda que achados arqueológicos que testemunhem essa atribuição não existam ou sejam mais do que escassos —; mas justificaria ela a dúzia de estradas? Ou, como alguém pretendeu, seria a sua função o vigiar esse cruzamento?

Abra-se de novo o processo: indaguemos da forma como se levanta o sistema viário romano.

Para tal existem sobretudo dois tipos de fontes: as escritas e as próprias estradas. Das primeiras a principal é o Itinerário de Antonino — um roteiro das mais importantes estradas do Império, redigido no terceiro século da nossa era. No entanto, nem ele nem qualquer outra fonte desse tipo se refere a Viseu. Por isso, restam-nos somente os testemunhos arqueológicos. Nos inventários que em Viseu se fizeram das vias romanas da região — os mais conhecidos dos quais foram os empreendidos por Amorim Girão, José Coelho e Moreira de Figueiredo — tudo quanto fosse caminho calcetado foi dado como prova da existência de uma estrada romana. Ora, sucede que nem as vias romanas têm que obrigatoriamente serem lajeadas em todo o seu percurso, nem todas as calçadas são romanas pois que também medievais ou modernas podem ser.

Como fazer, então? Um processo geralmente utilizado é o de proceder a uma sondagem nas vias com o objectivo de estudar a técnica de construção — no entanto o clássico sistema da estrada romana que obedece a uma determinada e fixa sucessão de estratos raramente é detectado. Acontece, contudo, que isto não foi tentado nunca em Viseu. Resta portanto um outro processo que é o do levantamento de algo que é exclusivo das vias romanas: os marcos miliários — colunas em pedra, colocadas ao lado das estradas, onde uma inscrição além de dizer quem as mandou traçar ou reparar marca as distâncias em milhas.

Ao redor de Viseu poucos são os miliários até hoje achados: dois em Reigoso (Oliveira de Frades), outros dois em Benfeitas (Oliveira de Frades), um em Vouzela, dois em Moselos (Viseu), um na cidade, na Rua do Arco, um em Alcafache (Mangualde) e dois em Abrunhosa (Mangualde) são os únicos com inscrição. Mais alguns existem; contudo, são anepígrafos e portanto de identificação duvidosa.

Ora, estes miliários dispõem-se segundo uni eixo que corresponde ao da estrada frequentemente referida que, saída de Mérida, ia entroncar na de Lisboa a Braga, talvez não longe de Talábriga — estrada esta assinalada por outros miliários noutras regiões. Esta é a única via de que podemos ter a certeza; segundo a terminologia das metades, que até hoje tem sido utilizada, as duas únicas vias: de Viseu a Mérida e de Viseu à mais ocidental estrada do império romano. Todas as outras não passam de suposições apoiadas em testemunhos erradamente interpretados.

E a Cava? Que fazia ela no meio de uma via como esta? Como já alguém sugeriu, «uma fortificação levantada num descampado para protecção das tropas que se deslocassem pela estrada próxima»? Por enquanto, enigma por resolver!

 

Referência bibliográfica:

António João Cruz, «Quando os caminhos todos iam dar a Roma», A Voz das Beiras, 400, 20-5-1982, pp. 2, 8.

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