Apontamentos para a
história de Viseu

Cultura popular: a de Trás-os-Montes há quem a defenda e a promova. E a da Beira?

António João Cruz

Sábado que passou, 13 de Março, foi o dia do Torneio de Jogos Populares Transmontanos. Pelo Parque Eduardo VII, em Lisboa, muitos foram os que passaram, de Trás-os-Montes ou não. Quem quis participou. Jogos francos e animados, por vezes renhidos. Uns a demandar força física; mas outros havia para os quais mais importante do que os fortes músculos era o jeito. Prémios, apenas simbólicos. E todos eles lá de cima, pois assim a não ser de onde poderiam vir?

Esta foi uma das sessões do Ciclo de Cultura Popular Transmontana que a Associação do Nordeste Transmontano tem vindo, desde 19 de Fevereiro, todos os fins de semana a organizar em Lisboa. Às sextas-feiras à noite um colóquio: «Cultura Popular na Zona do Barroso» (Lourenço Fontes), «Música Tradicional Transmontana» (Michel Giacomettij, «Superstições e Costumes Ligados aos Defuntos na Região de Bragança» (Belarmino Afonso), «Jogos Populares Transmontanos» (António Cabral e Virgílio Ribeiro). Aos sábados à tarde a cultura popular ao vivo: grupos etnográficos, artesãos... Terminou no passado fim de semana (19 e 20 de Março) com um colóquio sobre «Aspectos da Cultura Popular da Região de Miranda» (António Mourinho), com a exibição do Grupo de Pauliteiros e com a passagem do filme de Fernando Matos Silva, «Guerras do Mirandum».

Do ciclo dizem-nos os promotores que «não se trata de uma realização meramente 'folclórica'». Antes, «trata-se de ir às raízes da cultura popular de uma das regiões mais ricas do País nesse campo, aprender como defendê-la da destruição que tem imperado e como projectá-la no nosso dia a dia de habitantes de Trás-os-Montes ou imigrados, contribuindo para o enriquecimento das populações e do património cultural do nosso País». Resumindo, e foi este o lema do ciclo, «por um futuro melhor para o Nordeste».

(Re)Encontro com o cultura popular transmontana, sem dúvida. E não vamos entrar aqui em discussões sobre o que se tem ou deve ter por cultura popular. Por detrás dele todo um paciente e metódico trabalho de pesquisa empreendida por vários grupos. Foi ele que tornou possível a realização deste ciclo. É ele um dos responsáveis pelo seu êxito.

Este (re)encontro promovido pela Associação do Nordeste Transmontano coloca uma pergunta que julgo bastante legítima: porque não realizar outros ciclos ou encontros, chame-se-lhes como se queira, nestes ou noutros moldes, sobre outras regiões? E ao isto perguntar tinha em mente um caso concreto: o da Beira Alta.

Ainda que sejam poucos, alguns grupos nesta região estão vocacionados para a defesa das terras beiras, o que passa também pela defesa do seu eco-sistema — porque isto de cultura popular significa uma forma de vida quotidiana e não um espaço bem definido, um luxo, no qual se vai ver cultura, por exemplo ao teatro ou ao cinema, a um livro ou a uma exposição. É certo que, por regra, são mais do que escassos os apoios de que dispõem. Certo é também que a actividade por eles desenvolvida no domínio da cultura popular não será muito grande. Mas há também (e sempre) os investigadores isolados. E todos juntos, em colaboração com as autarquias e sei lá que mais, poderiam promover um encontro vivo como este sobre Trás-os-Montes. Um pequeno passo nesse sentido terá sido a exposição que há 2 meses em Lisboa se realizou sobre pinturas de milagres do distrito de Viseu. Desconheço quantos foram os visitantes, mas a essa mostra faltou-lhe vida, faltou-lhe continuidade. O ciclo ou encontro sobre a Beira Alta terá de ter continuidade e, sobretudo, terá de ser algo de vivo.

Trás-os-Montes é um exemplo e é um apelo. Responderá a Beira Alta?

 

Referência bibliográfica:

António João Cruz, «Cultura popular: a de Trás-os-Montes há quem a defenda e a promova. E a da Beira?», A Voz das Beiras, 393, 1-4-1982, pp. 2, 10

Artigo em formato pdf