Um guia turístico de Viseu
António João Cruz
Foi recentemente publicado pela Comissão Municipal de Turismo de
Viseu, em edição simultânea em várias
línguas, um pequeno livrinho de 35 páginas, intitulado Viseu (Guia Turístico), de Alberto Correia — nome
por demais conhecido no meio cultural viseense, autor de alguns
centos de páginas sobre a etnografia do distrito e de algumas
incursões no domínio da Arqueologia.
Se mais nada houvesse que suscitasse algum comentário, o
facto de se meter a semelhante empresa seria o suficiente para o
autor merecer ser felicitado. Pois, antes deste, de que roteiros
dispunha o turista interessado? De um de A. Campos datado de 1920 (Vizeu Beira), das páginas do 3.º volume do Guia de Portugal, de 1944, do Viseu de Russell Cortez,
de 1959, e, finalmente do Viseu Monumental e Artístico
de Alexandre de Lucena e Vale, que teve a sua 1.ª
edição em 1947 e uma 2.ª em 1969. Contudo, uns
encontram-se presentemente esgotados, outros pela sua dimensão
não serão de muito fácil acesso e, no fundo, uns
menos, mais os restantes, todos eles se encontram datados, não
só pela sua concepção como pelas
modificações que na cidade de Viseu se têm
operado. Era, pois, nítida a falta de um roteiro,
necessariamente breve e actualizado.
***
Qual o plano pelo autor adoptado no guia ora apresentado? Uma
brevíssima «notícia histórica de
Viseu», um deambular pelas ruas e praças da cidade e
algumas visitas aos arredores (Fontelo, ponte da Azenha, montes de
Santa Luzia e do Crasto). A terminar diversas
informações de interesse estritamente turístico
(lista das instituições culturais, das empresas de
transportes, das instalações hoteleiras, etc.).
Acompanha o texto uma série de boas fotografias coloridas,
ainda que na maior parte não sejam inéditas e haja uma
ou outra já desactualizada. 3 plantas e 1 mapa completam a
parte iconográfica do roteiro.
***
A «breve notícia histórica» com que o guia
abre é a parte menos conseguida. Com efeito, mais não
é do que um registo de efemérides cronologicamente
ordenadas que pouco ou nada nos diz sobre a vivência da cidade
e as opções que desde o seu início teve de
tomar. Onde estão traçadas as suas principais linhas
estruturais? Onde a compreensão de Viseu como um complexo
histórico-geográfico? Pelo contrário, o autor
preferiu antes dizer, à boa maneira de outros tempos, que de
569 data a primeira assinatura conhecida de um Bispo de Viseu, que em
1057 foi Viseu definitivamente conquistado para os cristãos
por Fernando Magno, etc. Neste aspecto não se distingue o
autor dos seus antecessores que no passado século, alguns
já no presente, traçaram a «história»
de Viseu, mais breves uns, mais extensos e pormenorizados os outros.
Excepção serão as linhas iniciais quando toma
posição contra a quase totalidade desses
«historiadores» e afirma que «são irrelevantes
as fontes da historiografia clássica» (p. 5). Todavia,
poder-se-ão fazer aí alguns reparos: será que
pela encosta E da colina da Sé se terá estendido um
núcleo castrejo não testemunhado ainda por
vestígios arqueológicos e que só o
estabelecimento de alguns paralelismos de condições
geográficas poderá fazer supor no topo da mesmo colina?
Por outro lado, qual é o «segundo núcleo de
habitações» que se gerou «na parte baixa da
cidade (e) que se desenvolve paralelamente ao da colina» (p.5)?
E, ainda nesse mesmo capítulo, de que modo se fizeram sentir
grandemente» «as invasões francesas no
princípio do séc. XIX e as lutas liberais
posteriores» (p. 6)?
A «visita à cidade», no fim de contas a parte
mais importante dum roteiro turístico, levanta-nos um problema
que é o de saber o que se pretende que o turista interessado
conheça. Será que só os conjuntos monumentais? E
destes somente os que ultrapassaram já um limite de idade que
lhes dá direito a figurarem entre os guias citadinos? Tal
é o que se parece concluir do presente roteiro. Pois que
encontramos sobre o Viseu hoje construído? Apenas umas
fugidias referências.
Por outro lado, onde está o viseense? Não é
ele que dá vida à cidade? E que a vai caracterizar?
Onde estão os seus hábitos, usos e costumes? E, no
mesmo sentido, é de estranhar o quase silêncio sobre o
artesanato (além dum breve parêntesis 2 ocasionais
referências: aos latoeiros das Escadinhas da Sé e aos
doces de ovos do convento do Bom Jesus), tanto mais para estranhar
quanto o domínio da etnografia é porventura o mais
familiar ao autor e aquele que ele mais tem investigado. Por isso o
roteiro nos surge como um guia das ruínas duma cidade
há muito morta. Paisagem intemporal e sem vida. Mas, em
contrapartida, não encontramos as habituais páginas de
bairrismo tacanho, medíocre, que não raro nos surgem
ainda por muito lado, embora uma leitura atenta permita encontrar uma
ou outra afirmação do estilo: «abundância
tal de monumentos — igrejas, capelas, palácios ou fontes
— que bem poderia chamar-se cidade princesa do barroco»
(p. 5) e «um dos mais belos complexos arquitecturais do
país — Catedral, Misericórdia e Museu de
Grão Vasco» (p. 9).
No entanto, no objectivo de nos guiar através dos
monumentos da cidade estamos perante um belo roteiro.
Finalmente, quanto às «visitas aos arredores» um
breve reparo somente: a ponte da Azenha «com o seu arco de sela
é apenas uma elegante edificação do séc.
XVIII» (p. 26)? Não será antes a
reconstrução duma antiga ponte romana?
***
Que concluir, afinal?
Por um lado felicitar o autor pelos seus propósitos mas
simultaneamente lamentar o facto de o seu roteiro se ater sobretudo
(diríamos somente) aos aspectos monumentais. Esperamos pois
que em futura edição possamos deambular pelo Viseu que
a muita gente é desconhecido: o etnográfico. Que melhor
possamos conhecer os seus habitantes. A vida de uma cidade.
Referência bibliográfica:
António João Cruz, «Um guia turístico de Viseu», A Voz das
Beiras, 383, 14-1-1982, pp. 5, 10.
Artigo em formato pdf
|