Instituto Liberal de
Instrução e Recreio (1904-1926)
António João Cruz
Alberto Metelo Coimbra
Em 1979 comemoraram-se os 75 anos de existência do Instituto
Liberal de Instrução e Recreio, que constitui, dentro
do seu tipo, das associações mais antigas da cidade de
Viseu. Deste modo, impõe-se o pesquisar a vida
específica do Instituto como contributo à
história da própria cidade, adentro do período
considerado. Com as comemorações das Bodas de Diamante
surgiu a oportunidade da consecução desse objectivo,
motivo porque deixamos aqui estas breves notas, embora elas se
restrinjam aos anos de 1904 a 1926.
As principais fontes utilizadas foram os três livros de
actas das sessões da direcção, que hoje se
encontram na secretaria da associação, a par de algumas
poucas notícias publicadas na imprensa periódica local
da época.
No ano de 1904 atravessava o reino profunda crise.
Se, no aspecto político, "a quadra dos vinte anos
decorridos de 1890 a 1910 foi extraordinariamente agitada para
Portugal" (1), menos o não foi no aspecto
ideológico: católicos e maçónicos,
monárquicos e republicanos gladiavam-se mutuamente e sem
tréguas.
Por outro lado, o aparecimento da "grande indústria", no
século passado, havia suscitado o aparecimento de uma forte
actividade operária traduzida nos diversos congressos
realizados.
No meio de toda esta agitação, o associativismo,
comum ao ideário republicano, revelava-se aos opositores da
monarquia como forma de pugnar pela organização
disciplinada e eficiente de que o Reino não dispunha
(2).
"Os agrupamentos operários (...) constituíam, muitas
vezes, autênticos partidos, com acção
política, directa ou indirecta, apoio eleitoral,
organização moldada na dos partidos políticos,
congressos periódicos, órgãos na imprensa, etc."
(3).
Ao mais restrito nível da cidade de Viseu, os primeiros
anos do presente século revelaram-se como "a imagem
tristemente perfeita da própria vida política nacional
sob o regime parlamentarista" (4).
Assim, à semelhança do "rotativismo" governamental,
também na Câmara Municipal de Viseu se sucediam
Progressistas e Regeneradores na orientação dos
destinos do concelho (5), até que em 1907 a
ditadura franquista colocou na presidência da Comissão
Municipal o Coronel Gerardo Ferreira.
Neste panorama de inconstância e mutabilidade
política, quais as linhas de força que se podem
discernir na pequena cidade do interior?
a) Em primeiro lugar há a assinalar a crescente
importância que os republicanos vinham assumindo (6)
de certo modo, iniciada em 1865, com a criação
do Centro Liberal de Viseu (7), a que se seguiu
numerosa publicação periódica (8).
Em 1882 é publicado o Idêa Nova, primeiro jornal
republicano. De duração efémera (9
números), sucedem-lhe duas folhas académicas, Viziense e um segundo Idêa Nova, respectivamente
7 e 8 anos depois, que não tiveram melhor sorte. Em
1891 é a Democracia da Beira, que aguenta a
publicação por pouco mais de um ano, integrando no seu
corpo redactorial todos os responsáveis da 1.ª
série do Idêa Nova, além de outros nomes,
onde avulta o de Ricardo Pais Gomes, várias vezes presidente
da Assembleia Geral do Instituto Liberal de Instrução e
Recreio no período anterior a 1910. A Nova Lucta (4
números) surge em 1894 e imediatamente se lhe segue O Intransigente, ambos tendo como director Ricardo Pais Gomes.
Quatro anos volvidos, A Voz da Officina,
"Semanário orgão do operariado visiense", e que em
1904 já se diz "Jornal Socialista", fundado por Alberto
Sampaio "intrépido luctador do Bem, da Liberdade e da
Justiça" (9) e que vem a ser sócio do
Instituto. Na tradição de outros jornais
académicos de feição republicana surge, em 1904,
a Mocidade Republicana. Em 1906, A Beira. Com larga
colaboração, em que se reconhece grande número
dos futuros representantes republicanos da cidade, é a voz do
Centro Republicano de Viseu, núcleo aglutinador de numerosas
acções de propaganda por todo o distrito, e que se
fundara em Janeiro de 1905.
b) É nos finais do séc. XIX e princípios
deste que se dá a formação de diversos
agrupamentos culturais e recreativos: anterior a 1855 a Sociedade
Civilizadora e a Assembleia Viseense, em 78 forma-se o Club Viseense,
em 81 o Grémio de Viseu (10), em 93 a
Sociedade de Recreio Protectora do Monte-Pio Viseense, em 1903 a
Associação de Classe dos Empregados do Comércio
de Viseu e o Centro Instrução e Recreio José
Dionísio, no ano seguinte o Círculo Católico de
Operários de Viseu e o Instituto Liberal de
Instrução e Recreio, em 1917 o Grémio Alberto
Sampaio.
Com diferentes objectivos a atingir (ou, pelo menos, que se
propunham alcançar), diferente era também a
preponderância de classes determinadas e assim diversos os
incrementadores de tais fundações.
Se as primeiras eram clubes elitistas da aristocracia viseense,
com o Grémio iniciam-se as associações abertas
às classes menos favorecidas, ainda que fossem apoiadas, ora
pela Igreja (11), ora por republicanos (12).
Paralelamente a este esforço associativo em prol da
instrução e recreio há a referir o aparecimento,
em 1889, do semanário Viziense, segundo com este nome,
"jornal eclético para instrução e recreio", de
que se publicaram 22 números.
c) Durante o último quartel do séc. XIX dá-se
a formação dum "espírito caritativo", tão
caro a determinado estrato social, que se prolonga ainda pelos
primeiros anos do novo século.
Disso testemunho é a fundação, em 1874, do
Asilo Viseense da Infância Desvalida, em 81 da Sopa
Económica, em 82 dos Asilos dos Inválidos, em 98 do
Pão de Santo António. É igualmente durante este
período que se forma o Asilo-Oficinas de Santo António,
ainda hoje existente (13).
d) No domínio das infra-estruturas e melhoramentos sociais
há que registar, ainda antes do fim do século, a
inauguração do caminho de ferro da Beira Alta (1882),
tido como símbolo do progresso, e que se revelou como
principal via de escoamento dos produtos agrícolas de que
naturalmente a região era farta.
Os anos de 1889 e 1900 são marcados por dois acontecimentos
da maior importância: o fornecimento de energia
eléctrica à cidade e a inauguração do
serviço de água.
No entanto, o seu funcionamento parece ter deixado a desejar. Os
problemas que regularmente se vão deparar, sobretudo no caso
da energia, estendem-se pelos primeiros anos do século.
e) A população do concelho orçava em 1878
pelos 51.500 habitantes, com uma preponderância do sexo
feminino de cerca de 2.500 almas. Em 1911 a população
anda pelos 55.700 habitantes e em 1930 pelos 60.100, o que dá
um crescimento demográfico de 8,1 % para o primeiro
período e de 7,7 % para o segundo, crescimentos estes assaz
diminutos se comparados com os 27,4 % e 14,6 % ocorridos em Portugal
continental durante os períodos considerados. (Estes dados
populacionais não utilizam os restantes censos
intermediários por impossibilidade da sua consulta).
A principal actividade é, de longe, a agricultura (63,8 %
da população em 1911). No entanto, de 1911 a 1930
há uma diminuição de 9,3 %, pois que esse valor
fica então pelos 54,5 %.
A seguir à agricultura surge a indústria (18,8 % em
1911) e o comércio (4,1 %).
f) Ao nível cultural, o concelho de Viseu revelava, em 1920
uma taxa de analfabetismo de 74,1 %, 3,6 % superior à do
continente, que é reduzida, 10 anos depois, para 70,5 %,
acompanhando a redução ocorrida no País durante
esse período.
Quantas escolas primárias havia por essa altura, não
o sabemos. Contudo, em 1890 a cidade possuía 4 aulas oficiais.
No distrito havia 419 escolas oficiais e 47 particulares, com um
total de 29.237 alunos (9.919 dos quais do sexo feminino), ou seja,
cerca de 62 alunos por escola (14).
Na cidade havia o liceu, fundado em 1849, instalado por
então no Paço dos Três Escalões, com uma
frequência de cerca de 350 alunos em 1890.
Fundada por decreto de 1898 existia também a Escola
Industrial e Comercial de Viseu, que tivera origem na Escola
Prática de Agricultura (datada de 1887).
Habitualmente mudando de nome, existia, desde de 1897, a Escola do
Magistério.
Com 284 alunos, entre internos e externos, no ano lectivo de
1886-1887, existia, antes do decreto de 20 de Abril de 1911 (Lei da
Separação do Estado das Igrejas), a
instrução ministrada no Seminário,
posteriormente reatada.
Ainda no aspecto cultural há a assinalar a Biblioteca
Municipal de Viseu que, inaugurada em 1865 com os livros doados por
António Nunes de Carvalho, estava então instalada no
edifício no mesmo Liceu.
g) No aspecto urbanístico há uma expansão da cidade
sobretudo para o seu lado SW, com os novos arruamentos do Massorim
cujas obras se prolongam por vários anos. Em 1899 dá-se
também a construção da actual rua Maria do
Céu Mendes.
Dos edifícios que então se construíram, por
entre todos sobressai o da Câmara Municipal, projecto do
engenheiro José de Matos Cid.
Neste ambiente de mudança de século, o que presidiu
à criação do Instituto Liberal de
Instrução e Recreio? Quais os interesses que aí
estiveram presentes?
Os
seus Estatutos são claros em relação à
1.ª questão: o desenvolvimento do "progresso moral e
intelectual" e o recreio dos seus associados (15).
A receptividade a tal proposta foi certamente boa, mesmo inesperada:
318 associados, oriundos das mais diversas classes sociais, que
ingressaram na colectividade durante 1904, ano da sua
fundação (cf. quadro
anexo).
Quanto à 2.ª interrogação, folheando o
primeiro livro das actas das sessões da direcção
logo uma imagem nos surge: a de um agrupamento de fortes simpatias
pelo ideário republicano, que mantém vivo nos seus
associados uma esperança pelos tempos da Liberdade, da
Igualdade e da Fraternidade, que só chegarão a 5 de
Outubro de 1910, opinião esta reforçada pela
presença de elementos como Ricardo Pais Gomes (16),
Alberto Sampaio (17), e da generalidade de todos os
influentes e activistas republicanos do Viseu de então.
Não nos é, pois, difícil de imaginar durante
esses anos que antecederam a implantação da
República, nas salas do Instituto e perante o olhar
desconfiado das autoridades e das hostes monárquicas, pequenos
encontros e reuniões semi-clandestinas onde inflamadamente se
diria dos grandes ideais democráticos e onde se rejubilaria
por este ou aquele sucesso republicano, ou pela grande tirada
parlamentar de Afonso Costa, ao mesmo tempo que se criticavam e
juravam desforras aos cabecilhas monárquicos locais.
***
Entrou,
para o Instituto, António da Silva Sequeira, o primeiro
sócio, em 30/1/1904, e 6 dias depois já se encontra
reunida a 1.ª direcção, que, a 3 de Novembro do
mesmo ano, aprova os 37 artigos dos Estatutos que ainda hoje se
mantêm em uso, somente com ligeiras alterações
(18). Igualmente nesta sessão foi deliberado
inaugurar formal e solenemente o Instituto Liberal de
Instrução e Recreio no dia 8 de Dezembro, convidando-se
para "discurssarem nesse dia os sócios srs. Drs. Carlos
de Lemos, José Pereira e Ricardo Paes Gomes". Deste importante
acto na vida da instituição resta-nos uma reportagem
nO Distrito de Viseu (jornal progressista), n.º
1543 de 13/12/1904, aliás recheada de pormenores interessantes
que nos darão a ideia da textura ideológica do
Instituto:
"Como estava anunciado realizou-se quinta-feira, dia 8, a
inauguração solemne desta sympathica
associação, que, para em tudo ser sympathica, ainda
antes de inaugurada, e a poucos passos da sua
fundação, logo creára uma aula de
instrucção primaria, com o título de Escola Alves Martins, frequentada actualmente por mais de
cincoenta alunos.
Estavam annunciadas duas conferencias: uma pelo conhecido
jornalista e publicista, hoje redactor do jornal democratico o
"Alarme", do Porto, sr. Heliodoro Salgado; outra pelo (...) poeta
sr. Thomaz da Fonseca, (...) redactor do "Ensino", de Coimbra, e
na propaganda de boas ideias pelas camadas populares (...).
(
)
Depois das 6 horas principiou a festa da noite. (...) Pede a
palavra Heliodoro Salgado. (...)
Mostra como o livre exame, incompatível com o
analphabetismo, deu um forte impulso ao derramamento da
instrucção nos povos da Religião reformada,
cujo progresso em face da decadencia dos povos Catholicos
põe em frisante destaque.
(...) durante a sua interessantissima conferencia (...)
fôra muitas vezes calorosamente applaudido, recebeu no fim
uma enthusiastica ovação.
(...) seguiu-se no uso da palavra Thomaz da Fonseca cuja
conferencia subordinada ao thema A
instrucção laica porque nos consta que
será publicada na Voz da Oficina (...)
Em seguida pediu a palavra o nosso amigo dr. Carlos de Lemos
que (...) teve uma referencia muito commovida para um morto, cuja
saudade persistia immarcessivel no coração de todos
os presentes, Alberto Sampaio, cujo retrato foi nesse momento
descerrado. Saudou ainda a imprensa liberal de Viseu ali
representada pelo nosso redactor D. Santos Guerra e pelo redactor
da Voz da Officina, sr. Bernardo Ribeiro de Sousa. E por
ultimo, saudou todos os propagandistas da causa liberal e
nomeadamente Guerra Junqueiro, Teophilo Braga, Bernardino Machado,
Magalhães Lima, Basilio Telles, António José
dAlmeida, João de Menezes e Affonso Costa. (...)
Fallou tambem, em nome da Associação dos
Empregados do Comercio de Vizeu, o sr. Antonio da Fonseca que
produziu um enthusiastico discurso de saudação aos
dois primeiros conferentes com largo elogio do fallecido Alberto
Sampaio e franca exposição dos princípios
liberaes de cuja realisação espera
satisfação plena ás
reivindicações das classes trabalhadoras.
Fallou ainda e com muita graça, o sr. Dr. Castro como
um materialista e sceptico em materia religiosa. (...)"
Cerca de 3 meses passados, a 30/3/1905, e por ter recebido um
oficio da comissão promotora de homenagem à
memória de A. Sampaio, a direcção do Instituto
acha por bem "prestar o culto da sua homenagem à
memória do prestante cidadão e destemido defensor das
classes opprimidas", e, portanto, "deliberou por unanimidade acceitar
o convite da referida comissão, convidando tambem todos os
associados a acompanhál-a nesta
manifestação de saudade á campa do que soube
imporse", por ter sido "um defensor das reivindicações
sociais". Um ano volvido, novamente a direcção se
solidariza a esta homenagem a A. Sampaio e desta vez deliberando "a
representação da escola pelo seu professor, alumnos e
competente bandeira" (acta de 22/3/1906). Esta
resolução terá, aliás, trazido dissabores
ao Instituto, pois terá funcionado como despoletador de um
movimento a ele adverso. Assim, em acta de 27 de Abril o Presidente
"declarou que reunira a direcção para a informar dos
boatos calumniosos que andavam a ser propalados sobre esta
associação, dizendo-se que ella era republicana e que
não tinha vida legal, boatos que obstante serem infundados
estavam prejudicando enormemente os interesses do Instituto",
tendo-se então deliberado enviar ao Governo Civil "um officio
requerendo uma syndicancia que mostrasse serem ou não
verdadeiras as acusações feitas".
Se a sindicância pedida foi ou não realizada
não o sabemos, mas o que é facto é que o
Instituto tinha a fama e o proveito, e em Julho de 1907 não
recusa o convite que lhe é enviado para se incorporar na
homenagem a Bernardino Machado, então em Viseu, e não
tem pejo de reputar o que viria a ser um, dos Presidentes da 1.ª
República de "tão illustre cidadão".
Já anteriormente, em 24 de Janeiro de 1905, havia a
direcção deliberado "significar a sua
admiração a um dos mais heroicos defensores das
liberdades individuaes e das garantias dos cidadãos".
Bernardino Machado tinha vindo, nesta ocasião, proferir uma
conferência sobre a aliança inglesa, conferência
esta no espírito da "propaganda da Verdade e da
Justiça" a que se havia proposto desde 1904.
É também, aliás, em 1906 que A Folha
(bi-semanário católico) (n.º 1809, de
2/9/1906), faz referências, sob a epígrafe "Selvageria"
a "graçolas obscenas e allusões ridículas ao
ritual da Igreja" que teriam sido praticadas por sócios do
Instituto quando acompanhavam um funeral ao cemitério. A
direcção do Instituto faz então sair
nA Beira um comunicado em que, como seria de
esperar, nega a implicação do Instituto em tais actos.
De que lado está a verdade, não o sabemos e nem muito
interessa, mas significativo é A Folha não ter
nenhumas dúvidas em acusar o Instituto, o que se não
verificaria se este fosse da sua simpatia: monárquico.
Deixou marcas o incidente motivado pela homenagem a A. Sampaio,
como se pode observar pela acta de 7/3/1910, quando era presidente do
Instituto um notável republicano, Bernardo Ribeiro de Sousa,
que propõe que o Instituto se associe à homenagem a
Sampaio desde que esta "não viesse a ter caracter
político; mas attendendo a que mesmo que não tenha esse
caracter, sempre lho quererão attribuir, propunha que se
mandasse ampliar o retrato de Alberto Sampaio e que em
occasião opportuna lhe fosse inaugurado numa das salas
do Instituto, proposta esta que foi approvada por unanimidade".
Na mesma linha, veremos o mesmo presidente que, repita-se, foi um
dos grandes lutadores republicanos de Viseu, a recusar proferir uma
conferência no Instituto por achar "mais conveniente que essas
conferencias fossem iniciadas por oradores que, pela sua
posição social, e afastamento da política
avançada não dessem lagar a que alguém, por
ignorancia ou malvadez, desvirtuassem o seu fim, levando, essas
conferencias para o lado político" (acta de 22/4/1910).
Mas a República surge e logo se delibera "um voto de
congratulação (...) no empenho de vêr caminhar
esta patria oprimida na vanguarda das nações mais
cultas" (acta de 11/10/1910).
Ainda antes de formalmente inaugurado o Instituto, deliberou a
direcção abrir uma escola pelo método
João de Deus, que se passaria a designar por Escola Alves
Martins (19).
Do acto solene da abertura da mesma, realizado no domingo 7 de
Fevereiro de 1904, para o qual foram convidados o Comissário
de Polícia, Governador Civil, Administrador do Concelho,
Inspector Escolar, Dr. José Augusto Pereira, Guilherme
Cardoso, Dr. Carlos de Lemos e Carlos de Oliveira, ficou-nos um
anúncio e um convite publicados n O Commercio
de Vizeu (n.º 1831, 7/2/1904) e uma pequena reportagem
n O Districto de Vizeu (n.º 1455, 9/2/1904).
Referia-se a este último que "brevemente serão tambem
inauguradas aulas de musica, dança, esgrima e muitos outros
melhoramentos que a bizarra direcção provisória
tem projectado".
Contemporânea dos primeiros dias do Instituto, a escola
é um facto denunciador da sua vitalidade inicial.
A criação desta escola pode, no entanto, ser
encarada de um modo mais geral, e pudemo-la incorporar no grande
movimento em prol da instrução popular que frutificava
desde meados do séc. XIX e, assim, podemos perceber o seu
encerramento temporário entre os anos de 1908 e 1910,
período em que a sua sala de aula foi utilizada para nela
funcionarem missões da Associação de Escolas
Móveis. As aulas eram diurnas e nocturnas e A Beira
(n.º 201, 28/5/1909) testemunha que "o maior numero
dalumnos é dos arrabaldes da cidade, trabalhadores do
campo, artistas, etc." e que a realização dos exames
que noticia eram à noite, "porque alguns alumnos são
pastores de gado e creados de servir, pelo que só à
noite podem comparecer".
O fecho destas escolas, a quem Viseu ficou a dever "a
libertação do analphabetismo de perto de duzentas
pessoas" (A Beira, n.º 305, 816/1910), por motivos
contratuais, originou desde logo o reaparecimento da Escola Alves
Martins. Na lista de preferências para os alunos a admitir
são também notórias as
preocupações sociais (acta de 22/4/1910).
Assim, aceitar-se-iam primeiro os alunos que tivessem frequentado
as Escolas Móveis, depois os reconhecidamente pobres e,
finalmente, os mais que desejassem até ao número de
50.
O Instituto justificava assim ser uma "prestimosa
colectividade"...
A partir de 1910 muitos dos "notáveis" do Instituto
são chamados a lugares de responsabilidade na
administração pública, pois eram
necessários os quadros que substituíssem os
monárquicos saneados. Para o observar basta, por exemplo, uma
vista de olhos por sobre as primeiras vereações e
comissões executivas camarárias republicanas de Viseu.
Por outro lado, já não era mais necessário o
ambiente de semi-clandestinidade que se vivia no Instituto. Quem
quisesse rogar pragas a todos os monarcas e monárquicos que
houvesse no mundo inteiro já não o fazia no segredo
cuidadoso junto a amigos de igual opção
ideológica; fá-lo-ia no Rossio, falando bem alto...
Fá-lo-ia também nas salas do Instituto; contudo tal
acto agora perderia toda a sua carga e significado anteriores.
E assim progressivamente o Instituto perde importância
política. Nada tinha de especial ser-se republicano em tempo
de República.
É então o tempo em que se sucedem as zaragatas e as
expulsões de associados e em que, sintomaticamente, em cada
conjunto de 30 novos sócios, 20 deles ou eram sargentos ou
soldados.
E isto, apesar de no 2.º andar do edifício do
Instituto se ter instalado o Partido Republicano Português que,
como se lê em acta de 25/11/1912, "chamará para este
(Instituto) grande número de sócios e por consequencia
concurrerá para o seu engrandecimento".
A proximidade, e não queremos referirmo-nos à
proximidade apenas em distância do P.R.P., teria, aliás,
condicionado o teor da única "passagem política" nas
actas de 1910 a 1926. Na acta da sessão de 20/5/1915 refere-se
que "a direcção deliberou por unanimidade assignar aqui
o seu sentimento íntimo de congratulação por a
Republica Portuguesa ter entrado nas normas
constitucionaes, banido pela revolução de 14 e 15
do corrente o governo ditatorial que o sufocava e
arrastava para o aniquilamento. Portugal renasceu pela liberdade e
pela justiça, enveredando por esta revolução, no
caminho pleno e breve que o conduzirá, não haja duvida,
para a prosperidade que merece pela sua sublime historia, como
nação livre e independente".
Só em Fevereiro de 26 nos surge nova
manifestação de vitalidade no Instituto: a
criação da biblioteca. Mas 1926 é o ano em que a
República, desacreditada e decadente, dá lugar à
ditadura militar, e o Instituto está em crise.
Na verdade, os motivos que o presidente então em
exercício refere como condicionantes do seu pedido de
demissão, são denunciadores de crise interna e
não deverão ser estranhos à mudança
política acontecida no país a 28 de Maio. Dizia o
presidente "que sacrificadamente aceitára (o cargo) pela
grande afeição que dedicava ao Instituto, que
viu tão florescente e considerado pelas suas congeneres
e que presentemente vem perdendo toda a sua prosperidade, devido aos
discolos que no seu seio se introduziram. Havia, é certo, um
meio de se fazer o saneamento; mas acarretaria grandes desgostos e
rancorosas retaliações por parte daqueles que ainda se
deixam iludir pelas habilidosas insinuações dos que se
comprazem em alimentar a discordia e provocar desalentos. Tem chegado
ao seu conhecimento, e outros tem de visu presenciado,
certos casos que só se conceberiam nos meios onde a
civilização não tivesse acesso" (acta de
30/9/1926). E observava ainda: "o depauperamento que muito
acentuadamente (a colectividade) se vem votando, e de que ele tem a
sugestão de ser a causa primaria".
O incidente vem a ser remediado, mas de uma forma artificial. Em
Assembleia Geral decide-se que se inaugure um retrato de José
da Costa Guimarães e que a partir dali ficasse na sala da
direcção do Instituto (acta de 11/1/1927) (20).
Mas o depauperamento do Instituto sobreviveu, certamente.
É como se o Instituto estivesse condenado a viver todos os
precalços da República...
(1) Marques Guedes, "Os Últimos Tempos
da Monarquia: 1890 a 1910", História de Portugal, dir.
literária de Damião Peres, vol. VII, Portucalense
Editora, Barcelos, 1935, p. 412.
(2) A. H. de Oliveira Marques, Afonso Costa,
Arcádia, Lisboa, 2.ª ed., 1975, p. 21.
(3) A. H. de Oliveira Marques, A 1.ª
República Portuguesa (Alguns Aspectos Estruturais), Livros
Horizonte, Viseu, 2.ª ed., 1975, p. 78.
(4) Alexandre de Lucena e Vale, Os Finais da
Monarquia e Começos da República nas Actas da
Câmara de Viseu. 1900-1914, separata de Beira Alta,
Junta Distrital de Viseu, Viseu, 1971, p. 3.
(5) Podem-se ver as respectivas
vereações em A. de Lucena e Vale, op. cit., pp.
7 e ss.
(6) "Ser republicano, por 1890, 1900 ou 1910, queria
dizer ser contra a Monarquia, contra a Igreja e os Jesuítas,
contra a corrupção política e os partidos
monárquicos, contra os grupos oligárquicos" (Oliveira
Marques, A 1.ª República Portuguesa, cit.,
p. 68).
(7) Acta da fundação no Livro das
Actas do Centro Liberal de Vizeu, ms. da B. M. V., cota
20-I-55.
(8) Sobre a imprensa periódica de Viseu:
Maximiano de Aragão, A Imprensa no Districto de Vizeu.
Fragmento Historico, Viseu, 2.ª ed., 1900 e A. Campos, Registo Bibliografico e Jornalístico Visiense, ms. da B. M. V., cota 20-I-28.
(9) Instituto Liberal de Instrução e
Recreio, Actas das sessões da direcção,
vol.-I, 30/3/1905, fs. 19.
(10) Sobre estas associações: M.
Aragão, Viseu. Instituições Sociais,
Seara Nova, Lisboa, 1936, pp. 165-178.
(11) O então bispo D. José Dias
Correia de Carvalho, "para favorecer o desenvolvimento da
associação ou círculo católico de
operários, mandou construir exclusivamente à sua custa
uma excelente casa para aquela agremiação. Custou a
obra mais de vinte contos de réis" (Fortunato de Almeida, História da Igreja em Portugal, nova ed. dirigida por
Damião Peres, vol. III, Civilização,
Porto-Lisboa, 1970, p. 597).
(12) Sobre a ideologia destas
associações há a referir um artigo publicado
n A Voz da Verdade (semanário republicano)
de 13/3/1926 (n.º 250), assinado pelo pseudónimo
Nemo:
"AS ASSOCIAÇÕES DE RECREIO
Há na cidade seis associações de recreio.
Todas teem a sua claque e algumas até com certo
caracter político.
Os avançados vão para o Alberto Sampaio; no
Instituto são mais ou menos liberais; no Monte Pio
predomina o comercio; no Gremio Viseense, embora sem caracter
político era e é uma agremiação de
todas as correntes do regimen (...)".
(13) Sobre estas instituições: M.
Aragão, op. cit., p. 81 e ss.
(14) Pedro Ferreira, Portugal Antigo e Moderno,
vol. XII, Lisboa, 1890, pp. 1642-1643.
(15) Estatutos do Instituto Liberal de
Instrução e Recreio, Viseu, reimpressão de
1974, art.º 2.º.
(16) Ricardo Pais Gomes. Nascido a 14/3/1968,
bacharel em Direito, foi governador civil do distrito de Viseu
após a implantação da República, "regimen
para o qual contribuiu, desde bem novo, com a sua propaganda na
imprensa local democratica" (A. Campos, op. cit., p. 55). Foi
também Ministro da Marinha e Director-Geral do
Ministério do Interior.
(17) Alberto Sampaio. "Exerceu o oficio de
tipografo. Muito inteligente, alma amplamente democratica, foi o
primeiro que mais e melhor defendeu aqui em palestras,
comícios e em A Voz da Verdade, que fundou, os
ideais socialistas" (Idem, ibidem, p. 109). Morreu a
29/3/1904, vítima da tuberculose.
(18) Da época dos estatutos do Instituto
Liberal mais 4 de associações congéneres nos
chegaram às mãos: Estatutos / do / Centro
Instrução e Recreio "José Dionyzio" /
Vizeu / Typographia Central / 1903; Estatutos / da /
Associação de classe / dos / Empregados do Commercio /
de / Vizeu / Vizeu / Typographia da "Revista Catholica" / 1903;
Estatutos / do / Circulo Catholico dOperarios / de / Vizeu /
Vizeu / Typographia dA Folha / 1904; Estatutos / da / Sociedade
de Recreio Protectora / do Monte-Pio Viziense / Approvados em 29de Setembro de 1894 / Vizeu / Typographia Central / 1905.
O que há de semelhante entre eles, ou de diferente?
Um primeiro relance por todos eles dá-nos uma imagem muito
semelhante: cada um com cerca de 40 artigos, os mesmos
órgãos, os mesmos tipos de sócios...
A entrada para sócio ordinário apenas é
limitada aos empregados comerciais na Associação dos
Empregados de comércio; nas restantes a todos os
indivíduos do sexo masculino, com bom comportamento e maiores
de 16 anos. Além dos ordinários podiam também os
sócios ou serem ordinários ou extraordinários ou
correspondentes.
Como corpos gerentes das associações todas elas
à excepção dos empregados do Comércio,
que não têm conselho fiscal, apresentam assembleia
geral, direcção e conselho fiscal, ainda que de
composição diferente:
Associação |
Mesa da
Assembleia Geral |
Direcção |
Conselho Fiscal |
I
Círculo Católico |
1 Presidente
2 Vice-presidentes
2 Secretários |
1 Presidente
1 Vice-presidente
2 Secretários
1 Tesoureiro
4 Directores
4 Suplentes |
3 efectivos
3 suplentes |
II
José Dionísio |
1 Presidente
2 Secretários |
=I |
1 Presidente
2 Vogais |
III
Comércio |
1 Presidente
1 Vice-presidente
2 Secretários |
1 Presidente
1 Vice-presidente
2 Secretários
1 Tesoureiro
4 Directores |
-- |
IV
Monte-Pio |
=III |
1 Presidente
1 Secretário
1 Tesoureiro
4 Directores
5 Suplentes |
1 Presidente
2 Secretários
2 Suplentes |
V
Instituto |
=III |
=I |
=II(*) |
(*) Embora os Estatutos
tal não indiquem eram também eleitos 2 vogais
suplentes.
A periodicidade das assembleias gerais ordinárias:
semestrais no Instituto e no Monte-Pio, anuais nos restantes.
Nas 5 instituições idênticas
funções tinham os mesmos órgãos.
(19) É sintomático o facto de para
patrono da escola do Instituto ter sido escolhida a figura do grande
bispo liberal que era, pode dizer-se, o ídolo republicano
local, que a todo o momento servia de estandarte contra o
"jacobinismo e beatismo dos padres dA Folha".
(20) Actualmente na secretaria do Instituto,
deparam-se-nos 3 fotografias ampliadas, representando Alberto
Sampaio, o bispo Alves Martins e uma terceira figura não
identificada que poderá ser de José
Guimarães.
Referência bibliográfica:
António João Cruz, Alberto Metelo Coimbra, «Instituto
Liberal de Instrução e Recreio
(1904-1926)», in Instituto Liberal de
Instrução e Recreio. 76.º
Aniversário, Viseu, 1980, pp. 5-21.
Artigo em formato pdf
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