Apontamentos para a
história de Viseu

Para uma homengaem a Fernand Braudel

António João Cruz

Morreu, a 27 de Novembro, Fernand Braudel!

Ficamos todos mais pobres. Ficamo-lo sempre que morre algum homem, é verdade. Mas este era um homem que valia por muitos outros.

Nas notícias que, por ritual folclórico, surgem agora nos jornais, fala-se no percurso científico deste homem. Os livros que escreveu, as revistas que dirigiu e as revistas em que colaborou, as associações e as academias a que pertenceu. as universidades em que ensinou. Em suma, o percurso de um historiador.

Porém, pouco importa que lenha sido historiador. O espírito deste homem, aberto e a fervilhar de ideias, encontrava os outros homens em qualquer lado. É, sem dúvida, extremamente importante a sua teoria sobre o tempo em história. Ou, se se quiser, como cada história tem o seu tempo. Não menos importante é o lugar onde colocou a história, na confluência de todas as outras ciências humanas. «A história, ciência das ciências do homem». Tudo isto se encontra em O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrânico na Época de Filipe II. Mas o que verdadeiramente faz desse livro um marco do século XX não é o monumento do saber que na realidade é, mas o monumento de humanidade. Esse livro, a sua tese de doutoramento, "quinze anos de trabalho ininterrupto, de investigações realizadas em todos os arquivos, em todas as bibliotecas históricas no mundo mediterrânico e no mundo ibérico (como escreveu Lucien Fébvre. um outro historiador, um seu amigo), esse livro, em grande parte escrito durante a sua detenção no campo de concentração de Lübeck, como poderia ser outra coisa senão um olhar profundo sobre os homens, nos seus gestos quotidianos, na sua vida? Aí está a beleza de um livro, que não perde quando comparado com outros livros igualmente belos e igualmente importantes, sejam eles quais forem.

Que a sua morte sirva, ao menos, para divulgar a sua lição de humanidade. Morreu um homem, mas Braudel continua vivo.

P.S. O Mediterrâneo e o Mundo Mediterrâneo na Época de Filipe II foi recentemente editado em português pelas Publicações Dom Quixote. 2 volumes, 1423 páginas. Lamentavelmente, este livro que deveria ser lido por todos, pelo seu preço é acessível a muito poucos. Mesmo assim, o 1.º volume, saído em finais de 1983, já há algum tempo que se esgotou Saiu depois uma 2.ª' edição, mas ainda é mais cara.

Há apenas algumas semanas, as Edições Cosmos deram a publico o 2.º volume da Civilização Material, Economia e Capitalismo. Sécs. XV-XVIII. É um companheiro inseparável do Mediterrâneo e, talvez por isso, é também quase inacessível: o 1.º volume já há muitos anos que se encontra esgotado, o 2° é de preço muito elevado e o 3.º e ultimo ainda não foi publicado em português.

Muito mais acessível é o volume História e Ciências Sociais, uma recolha de seis textos dispersos por diferentes publicações: 1. A longa duração; 2. Para uma economia histórica; 3. As responsabilidades da historia; 4. Historia e Sociologia; 5. Contribuição da historia das civilizações; 6. Unidade e diversidade das ciências do homem. Este livro de menos de três centenas de páginas, que contém um famoso artigo onde Braudel formula a sua teoria do tempo em história, foi publicado pela Presença na sua Biblioteca de Ciências Humanas, onde conheceu duas edições. Há pouco tempo saiu uma outra edição na Biblioteca de Textos Universitários, da mesma editora.

Que melhor homenagem se poderá prestar a Braudel do que escutá-lo, isto é, ler os seus livros, todos eles escritos com amor?

 

Referência bibliográfica:

António João Cruz, «Para uma homengaem a Fernand Braudel», Voz das Beiras, 8 , 12-12-1985, p. 4.

Artigo em formato pdf (versão publicada)

Artigo revisto de acordo com o original dactilografado.